terça-feira, 7 de setembro de 2010

Seu Antônio Cardoso



Nos seus sessenta e poucos anos - acredita-se - o velho vivia na Ilha de Superagui desde que nasceu. Seu Cardoso era um com sua terra, sua mata e seu mar. Os lagartos comiam em sua mão, os pássaros lhe cantavam as horas e lhe avisavam sobre as chuvas. O céu lhe fornecia a água, a terra e o mar, seu alimento. 
Naquele terreno arenoso, logo antes da restinga da praia, na simplicidade da harmonia que rege todas as coisas, cultivou abóboras, feijões, mandiocas, abacaxis e melancias, grandes melancias que eram escondidas para os momentos especiais.
Seu Cardoso compartilhava desde os peixes que matava, sua colheita até sua preciosa água. Dizia que todos os pobres deviam ir pra lá, que havia comida e água para todos.

Os olhos do velho pescador eram duas grandes jaboticabas negras, que em toda sua profundidade, refletiam todos os anos de solitude e solidão passados ali na terrinha. Seu corpo era forte e cultivava uma barba característica; longas costeletas que desciam pelo rosto e se encontravam num grande bigode branco. Era o marujo solitário da praia deserta.
Sabia ler e escrever, levávamos pilhas de livros para as férias e o velho sempre pegava um ao acaso e ficava absorto, sentado à sombra, com os olhos fixados nas plavras.

Lembro bem de quando tirou de seu casebre uma revista dos Testemunhas de Jeová, daquelas que vêm aos montes pelo correio, e compartilhou com felicidade aquelas imagens bonitas de sumérios e assírios no deserto, vestidos naqueles grandes panos brancos.

Certa vez, nos acalmou sobre uma tempestade enfurecida de raios que vinha em nossa direção na praia: Que nada, meu filho, isso é tudo obra de Deus.

Seu Cardoso passava o dia a contar histórias. Lendas do tempo dos caçadores, curiosidades e contos que seus avós contavam de séculos e séculos atrás. Dos barcos que atracaram pela praia deserta, das lendas e dos índios que habitavam a ilha.

Em suas canções nas noites de fogueira, cataia e violão, o velho falava da morte. Dizia que o dia em que o Cardoso morrer, aquela paraia deserta ia acabar. 
Seu Cardoso morreu. O turismo avassalador arrebata a ilha, os preços das coisas sobem, os problemas sociais são cada vez mais sérios, a chuva é cada vez mais escassa e os peixes e camarões são tirados a rodo do mar. 

O homem resistiu. Em pleno século XXI viveu e morreu na simplicidade dos indígenas, sem nunca ter ouvido falar da palavra sustentabilidade ou mesmo ecologia. Para o velho, aquele era o único jeito. Era simplesmente o que havia de ser e nada mais.

Que Deus o tenha! Que sua alma, agora livre da casca, possa brilhar ainda mais forte.
E que sua vida aqui na Terra sirva de exemplo a todos nós.

2 comentários:

  1. olá! é a bru. já acessei hj pq senao amanha esqueço o endereço. depois leio com calma. rs bjs

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  2. olha a nina !
    www.sustentacto.blogspot.com

    www.diamanteverde.org.br

    Beijos

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